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Alberto Carlos Almeida

Cientista político, sociólogo e pesquisador

Alberto Carlos Almeida

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O Brasil, a morte e o destino

por | jun 3, 2020 | Sociedade | 2 Comentários

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A pandemia ultrapassou a marca dos 30 mil mortos sem que isso tenha gerado uma consternação geral. Não houve manifesto de artistas e intelectuais, nem depoimentos de celebridades ou de jogadores de futebol, tampouco manifestações populares de repúdio à inação do Governo Bolsonaro. São muitos os fatores que levam a essa relativa indiferença generalizada, e gostaria de abordar aqui alguns deles relacionados com a mentalidade predominante do brasileiro.

O primeiro fator importante para isso é que uma grande parcela da população brasileira tem uma visão da morte diferente das pessoas mais ricas e escolarizadas. É verdade que ninguém quer morrer e por isso todo mundo luta para adiar o momento final. Contido, também é verdade que para as pessoas mais pobres e em piores condições de vida a morte está sempre mais próxima e presente.

Tomando a cidade de São Paulo como exemplo, no bairro de Moema a expectativa de vida é um pouco maior que 80 anos de idade. Duas horas distante, mas no mesmo município, no bairro de Cidade Tiradentes na Zona Leste, a expectativa de vida não passa dos 58 anos. As pessoas pobres e de renda baixa da Cidade Tiradentes são mais conformadas com a morte precoce. Para elas, morrer velho é morrer ao 70 ao passo que para quem vive em Moema é morrer aos 90 ou mais. Quem está mais próximo da morte tende a se conformar mais com ela e a lutar menos para vencê-la. Trata-se de um mecanismo psicológico comum a todos os seres humanos que os permitem viver mais felizes com a vida que levam.

Outro motivo que leva as pessoas pobres e menos escolarizadas a se conformarem mais com o ocaso da vida é a crença no destino. No meu livro A cabeça do brasileiro mostro que quanto menos escolarizado alguém é, mais ela acha que o destino está nas mãos de Deus. Assim, quando alguém morre por causa de um vírus ou sobrevive a ele isso é parcialmente atribuído a Deus. É algo fora do completo controle dos seres humanos, de governantes, médicos ou de qualquer outra pessoa, por mais importante ou amada que seja. É por isso que uma parcela significativa dos brasileiros têm dificuldade de se manifestar contra o governo.

O terceiro motivo está relacionado com este fatalismo. Pessoas menos escolarizadas acreditam que a ação individual é pouco efetiva para pressionar o governo. As pessoas mais escolarizadas não pesam assim. Essa diferença deriva de sua experiência pessoal. Alguém de escolaridade elevada, quando perde um emprego, com frequência consegue um novo trabalho em função de seu currículo, de seus contatos pessoais com pessoas de mesma escolarização. Já as pessoas mais simples se sentem dependentes da ajuda de alguém, do setor público ou mesmo de um contato de família mais bem posicionado na sociedade. Isso se aplica a várias dimensões da vida destas pessoas e tem consequências para a mentalidade que elas desenvolvem acerca de seu poder de pressão sobre o governo.

A indiferença acerca da marca de 30 mil mortos está relacionada com a predominância destas visões de mundo no Brasil. A massa crítica de nossa sociedade é conformista, não porque as pessoas sejam acomodadas, indolentes ou negligentes, mas sim porque a maioria dos brasileiros reage aos fatos em função de crenças arraigadas que elas t~em acerca do funcionamento do mundo. Compreender isso é um passo importante para não desprezar nem o povo nem o Brasil.


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2 Comentários

  1. marilise

    Nenhum governo quer massa crítica escolarizada…
    Nenhum…
    Muito menos o que está aí hoje…
    As escolas militares
    E a investida do escola sem partido tira a possibilidade de formar cidadãos cientes de seus direitos civis….

    Responder
  2. Paulo

    Alberto, essa triste realidade é costurada pela desigualdade abissal e indecente em que vivemos.

    Responder

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