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Alberto Carlos Almeida

Cientista político, sociólogo e pesquisador

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Instituições funcionando, só não vê quem não quer

por | abr 20, 2020 | Política | 7 Comentários

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Debater diferentes interpretações dos fatos é algo totalmente normal. Faz parte da democracia e não impede a obtenção de consensos transitórios. A dificuldade para se obter o consenso passa a ser quase intransponível quando não há consenso sobre os fatos. Por exemplo, negar o Holocausto se tornou algo emblemático deste fenômeno. É impossível debater com alguém que nega isto apesar de todas as evidências acerca do acontecimento. Não há negação de que houve a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, ou a Revolução Russa. Pode e deve existir divergência sobre a qualidade do legado de cada uma delas.

Não deveria haver divergência acerca da força de nossas instituições democráticas diante do desejo visível de Bolsonaro de se tornar um ditador. Poderia numerar aqui dezenas de ações e decisões da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal que limitam o poder do Presidente da República. Aliás, tais decisões não vêm de hoje, elas ocorreram durante todo o ano de 2019. O atual governo, quando comparado com todos os que lhe antecederam, foi o que menos aprovou Medidas Provisórias. Para além disso, ele já foi vítima de inúmeras derrotas legislativas e judiciárias. Mais recentemente, Bolsonaro mesmo já admitiu de público que a política pública que defende em época de coronavírus não é seguida por estados e municípios.

Diante de tantas evidências do adequado funcionamento das instituições, de sua capacidade de fazer o que está ao seu alcance, vale refletir porque muita gente é terraplanista quanto a isso, isto é, nega o óbvio: que as instituições estão aí firmes e fortes funcionando.

O primeiro motivo é o nosso complexo de vira-latas. As mesmas pessoas que dizem que nossas instituições não funcionam, jamais afirmam o mesmo das instituições norte-americanas, italianas, francesas ou do Reino Unido. Isso sequer passa pela cabeça destas pessoas. Estes países são exemplos de quase perfeição institucional, e nós no Brasil de completo fracasso. Essa mentalidade vira-latas é tão presente, mas tão presente, que ela é pouco percebida. Quanto mais presente uma mentalidade é, menos se nota a sua existência.

O segundo motivo que obscurece para muitos a força de nossas instituições é que há quem espere das instituições aquilo que elas não podem fornecer. Ora, ora, as instituições políticas democráticas não podem realizar o impeachment de um presidente, a toque de caixa, apenas porque este presidente toma decisões de políticas públicas da qual discordamos. Aliás, ele não tomou decisão alguma, como disse, ele foi limitado quanto a decisões reais, ele apenas vai a público defender algo que nenhum governo estadual ou municipal está realizando. Nenhuma instituição irá fazer um impeachment de alguém que fala coisas das quais discordamos, e ao agir assim, as instituições estão funcionando da forma mais correta possível.

O terceiro motivo é achar que as instituições só funcionam quando tomam decisões com as quais concordamos. Instituições são impessoais, ora tomam decisões que vão contra nosso interesse individual ou de grupo, ora tomam decisões que satisfazem estes mesmos interesses. Além disso, é impossível dizer quando ocorrerá uma coisa ou outra. O que se deve esperar de instituições democráticas e de controle de poder é que elas preservem a democracia e impeçam que um poder em particular imponha sua vontade de forma unilateral, sem sequer ouvir outros poderes ou mesmo diversos grupos sociais. Isso está ocorrendo no Brasil já faz muito tempo, e não mudou um milímetro desde que Bolsonaro se tornou presidente.

Um quarto motivo para afirmar que as instituições não estão funcionando é o viés do catastrofismo. É charmoso, popular, dá muitos cliques e aumenta a audiência toda vez que se prevê ou se afirma a catástrofe. Isso está impresso na genética humana por nossa evolução. Dar o alarme de uma ameaça durante o longo período em que fomos caçadores e coletores sempre foi uma estratégia superior, ainda que incorresse frequentemente no risco do falso positivo, do que ficar relaxado em face de uma possível ameaça. Sobrevivemos graças a isso, e trouxemos esta característica para um período no qual ela não confere mais vantagem alguma.

É uma pena que não sejamos capazes de reconhecer que Bolsonaro apenas fala, apenas divulga um golpismo de botequim que não terá efetividade alguma. Se aceitássemos a força e o bom funcionamento de nossas instituições já teríamos virando a página deste debate e estaríamos cerrando fileiras de maneira mais efetiva em defesa da vida e contra a pandemia.


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7 Comentários

  1. Silvana

    Muito bem explicado. Queria que todas as pessoas parace com seus memes com suas facetas de ódio e começa-se a ler artigos asim um grande abraço e muito obrigado por existir e fazer párate do meu dia

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  2. Paulo Delgado

    Nessa sua leitura, o que seria um cisne negro? Ou seja, um evento capaz de alterar a dinâmica de funcionamento institucional? E quão capaz seríamos de antever tal sabendo?

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    • Alberto Carlos de Almeida

      Te confesso que tenho uma grande dificuldade com o cisne negro. Natural, uma vez que me pauto muito pela inferência científica. Tendo a achar que as instituições são pedras de granito, muito densas, pesadas, difíceis de serem movidas.

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  3. Leonardo Kieras

    Alberto, concordo exatamente com tudo o que você escreveu no texto acima.

    Inclusive, uma das frases de repúdio ontem foi a do Ministro Marco Aurélio (STF) que disse: as instituições estão funcionando!

    No entanto, particularmente, acredito que nas próximas semanas o Bolsonaro tentará um Golpe Militar, não por acreditar que as instituições estão fragilizadas, mas sim por desespero.

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  4. Murilo

    Prezado Alberto, parabéns pelo conteúdo do blog, também o acompanho em seu canal no YouTube.

    Uma dúvida que tenho com relação ao papel das instituições diz respeito aos indivíduos que as comandam, que representam uma parcela (direta ou indiretamente eleita pelo voto popular) da população do país: a atuação de uma instituição, guiada por interesses de determinados individuos, que vá de encontro com os interesses da nação (como, por exemplo, a destruição do meio ambiente), não seria um ato que deveria ser controlado pelas demais instituições, ditas democráticas? Ou se essas ações destrutivas também vão ao encontro dos interesses dos indivíduos das demais instituições, poderiamos dizer que essas instituições são democráticas? Abraços

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  5. Ismael Rattis

    Alberto depois se possível, teria como trazer nos seus vídeos uma breve análise de conjuntura que diferem o hoje de 64. Por exemplo, O que não tínhamos naquela época ( institucionalmente falando)
    que temos hoje. O que coloca as forças armadas em seu devido lugar nos dias de hoje. Qual o motivo dela não avançar sobre as instituições? Sobre quais motivações ela poderia fazer? Não sei se esse é um espectro da ciência política, porém são perguntas que venho me fazendo. Acredito que elas possa. Soar até meio ingênuas, mas são perguntas sinceras. Abs.

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    • Alberto Carlos de Almeida

      Excelente e pertinente sugestão. Tenho sim como contrastar os dois períodos do ponto de vista da ciência política

      Responder

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