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Alberto Carlos Almeida

Cientista político, sociólogo e pesquisador

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Pobre do país onde Felipe Neto é estrela na política

por | maio 19, 2020 | Sociedade | 15 Comentários

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Felipe Neto foi o entrevistado do prestigioso programa Roda Viva por causa do que ele tem para falar sobre política. É evidente que é louvável que alguém com milhões de seguidores possa se expressar para um público diferente do dele. Ademais, ele pode levar pessoas que nunca se interessaram por política a mudar de ideia sobre esta atividade tão nobre da vida humana.

A pobreza da presença de Felipe Neto no Roda Vida não tem nada a ver com isso, mas sim com o fato de a atividade política ter sido tão criminalizada no país, tão devastada, que pessoas como ele passaram a ocupar tais espaços. É como se dessemos menos importância a Rodrigo Maia, Rui Costa, Flávio Dino, Davi Alcolumbre, Eduardo Paes e Katia Abreu em benefício de Felipe Neto, Luciano Huck, Whindersson Nunes, Neymar, Felipe Castanhari, Débora Aladim e Anitta.

Façamos o contrafactual, imaginemos que no Brasil existissem apenas quatro grandes partidos políticos. Só isso já seria enormemente educativo, não haveria mídia para as dezenas de chefetes políticos inúteis que hoje ocupam inúmeros espaços midiáticos pavimentando o caminho para os felipes netos da vida. A condução do país passaria por líderes de grandes agremiações partidárias, deputados e senadores altamente especializados em lidar com os interesses em diversas áreas de políticas públicas como saúde, educação, segurança, desenvolvimento econômico, turismo, política externa e assim por diante. Somente isso já bloquearia o espaço para a futilidade e as falas inúteis.

A mobilização dos jovens para a política passaria também pelos partidos, como se vê hoje na Europa com o fortalecimento dos inúmeros partidos verdes e o surgimento recente de siglas que significaram renovação, como o Podemos na Espanha. Com o espaço da política ocupado por políticos minimamente prestigiados e instituições partidárias fortes, os elogios recebidos por Felipe Neto não existiriam. As pessoas buscariam saber o que pensam os principais líderes, como eles veem a situação, o que eles sugerem para resolver os problemas mais urgentes. Os elogios rasgados a Felipe Neto têm a ver com este vácuo, por isso, pobre de um país que o prestigia na política.

Quanto à mobilização dos mais jovens, daqueles que nunca se interessaram pela política, é preciso lembrar que Bolsonaro fez isso. O presidente levou para a política a partir de sua campanha eleitoral de 2018 pessoas que nunca haviam se interessado por ela. São essas pessoas que hoje fazem manifestações de apoio a ele e rechaçam as medidas adequadas para combater a pandemia. Isso apenas mostra que mobilizar aqueles que nunca se interessaram pela política não é necessariamente bom, pode ser, pode não ser.

Há os que acham que Felipe Neto é importante para enfrentar o Governo Bolsonaro, para enfrentar os fascistas. Mais uma vez isso é resultado de uma enorme lacuna. O partido de oposição a Trump na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos controla 53% das cadeiras. Com a política estruturada não é preciso recorrer a estrelas do YouTube para enfrentar governos extremistas, basta mobilizar um partido e seus deputados, que obviamente teriam muito o que dizer no Roda Viva. Pobre de uma oposição que precisa da ajuda de Felipe Neto.

O Roda Viva está corretíssimo em convidá-lo, dá audiência. A crítica não é ao programa ou à rede de televisão. A atual desestruturação da política resulta na utilização de pessoas de fora dela para garantir a audiência sobre ela. Tampouco está errado Felipe Neto em tirar proveito do vácuo, da inexistência de partidos fortes. Isso é bom para ele, nada é mais legítimo para um empresário que depende de sua visibilidade do que aproveitar os espaços que para ele surgem.

O mais interessante, porém, e notar que as pessoas não se dão conta de que Felipe Neto no Roda Viva é sintoma de uma doença grave: a fraqueza da política. Sim, Bolsonaro também é resultado disso. Aliás, venho escrevendo muito sobre este assunto. O mesmo sistema em frangalhos que abriu espaço para Bolsonaro deu visibilidade política para Felipe Neto. O primeiro fenômeno é bem mais grave do que o segundo, porém, não reconhecer que ambos revelam um grave problema brasileiro é o caminho mais curto para não resolvê-lo.

O apoio a Bolsonaro e os elogios a Felipe Neto decorrem do fato de que quem o faz nega, sem perceber, a política e a importância dos políticos e dos partidos. Não contem comigo para isso.


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15 Comentários

  1. Rogério dos Santos Oliveira

    Entendi sua colocação Almeida. Não se pode prescindir dos partidos e seu políticos nas opções para a melhoria das coisas da sociedade.
    Me parece que ele naturalmente, tem domínio de habilidades e ferramentas que políticos tentam adquirir para se comunicar e convencer pessoas.
    Daí o grande interesse.
    Com efeito quem está com o poder hoje domina essas capacidades. A se confirmar vão permanecer por muito tempo com o poder pois não há atores credenciados para contraposição, ainda que qualificados academicamente.

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  2. Amanda Cineco

    Uma pessoa pra falar ou criticar a política tem que ser um político eleito? Porque não o Felipe Neto? Demonstrar a sua indignação desse governo desordenada e desqualificado. Calma aí moço. O governo federal, estadual e prefeitura nunca esteve em seus dias piores. Concordo com qualquer um que reconhece a falência do nosso governo.

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  3. MARIA LUCIA DARIO

    Faz quase 40 anos que eu voto e até hoje tenho mais erros do que acertos. Por que eu errei tanto??

    Com raras exceções, nossos políticos, mesmo os que são ‘formados’ e experientes em assuntos políticos e econômicos, não têm ética! Então, por que não apostar no caráter dos jovens?

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  4. Adolfo Silva Rego

    Apenas uma provocação: a experiência recente que temos de um número pequeno de partidos é a do bipartidarismo durante o regime ditatorial. Nesse período, não fomos capazes de formar uma elite política diferenciada, ao menos que sobressaísse sobre a da atualidade, ao passo que sedimentamos dezenas de castas oligárquicas, sobreviventes até os dias de hoje. Também penso que precisamos de mudanças profundas em nosso sistema eleitoral, mas temo que algo tão restritivo, que possa reduzir os partidos a quatro ou cinco, poderia sufocar nossa infante democracia, sem propiciar ganhos qualitativos. Acompanho seus vídeos diariamente, estou aos poucos lendo seus livros, e sei que essa questão é uma das mais recorrentes em suas reflexões.

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    • Alberto Carlos de Almeida

      Valeu!

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  5. Arthur

    Para ajudar na sua análise, quem viu o programa disse que ele se localizou entre 2 falsários da Política Brasileira: entre Amoedo e Ciro.
    Isso já basta para sabermos a que veio.

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    • Alberto Carlos de Almeida

      Exato

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  6. George

    “Há os que acham que Felipe Neto é importante para enfrentar o Governo Bolsonaro, para enfrentar os fascistas […] O partido de oposição a Trump na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos controla 53% das cadeiras. Com a política estruturada não é preciso recorrer a estrelas do YouTube para enfrentar governos extremistas, basta mobilizar um partido e seus deputados, que obviamente teriam muito o que dizer no Roda Viva.”. O argumento é falho. Apesar da minoria que tem na Câmara, Trump continua seu governo, desferindo golpes na imprensa e organismos internacionais, além da péssima condução na pandemia. Por que? Ora, porque tem maioria no Senado. O articulista esquece que para eleger políticos é necessário entusiasmo e esperança, o que faltou aos democratas na última eleição americana. Neste momento, precisamos recorrer a todos que se posicionem quanto aos desmandos do atual governo. Que mais felipes netos saiam do conforto de suas estúpidas “lives” para incendiar uma juventude apática e desesperançada. Políticos bons podem surgir, mas talvez não será da “política estruturada”.

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  7. Fernando

    Almeida, vivemos um período político de plena escuridão (buraco negro de lideranças), vários partidos progressistas ao longo da história recente focaram em lideranças e em uma chamada elite política que se afastaram dos movimentos sociais e das periferias. Hoje, após todos os fatos nada republicanos: políticos, jurídicos e legislativos deixaram um vácuo e há necessidade de uma reciclagem de politicos e inovação. Ou, melhor aproveitamento das redes e comunicação com os jovens. Não penso que a culpa é do Felipe Neto, a discussão no meu entendimento é a falta de integração e/ou alinhamento de forças progressistas. Dever de casa muito bem aproveitado pela extrema direita, empresários, fake News, robôs, entre outros.

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  8. Henrique

    O que esses políticos que vc citou fazem para a grande massa se interessar por política?Quais são as falas que você considera que são fúteis que os artistas formadores de opinião apresentam sobre a política brasileira?Até porque eles também são eleitores e têm o direito de falar o que eles quiserem.Porque eles estão cobrando dos políticos e graças a Deus que tem gente famosa atrás dos direitos das pessoas.A Anitta por exemplo fez uma live com a Gabrirla Prioli (advogada criminalista e professora) ensinando sobre política.Esses políticos fazem o que?Tem alguém pra ensinar política pra população carente da favela que não sabe o que é direita e esquerda?Falta alguém para ensinar o brasileiro, nossa educação e interesse pelas as coisas nunca foram levadas a sério e quando alguém tenta levar informação para os outros chamam os de fútil.

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  9. Sandra de Oliveira

    Sou petista e em qual momento do governo do PT houve politização ou preocupação em politizar os jovens ou outras camadas da população. Infelizmente o PT deu muito dinheiro pro Edir Macedo, deveria ter pensado na formação política. Agora a esquerda se agarra sim, a qualquer um como você disse em seu texto, para ajudar o tirar o fascista do poder.

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  10. Alexander

    Concordo plenamente, mas estamos em guerra e neste caso o protocolo muda completamente.

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  11. Izabel

    A rede para pra entrevista do ano. Aguarda, ansiosa, o que um influencer digital tem pra dizer aos seus zilhões de seguidores sem opinião.

    Qual o papel de um influencer digital milionário?
    Interferir na política, ao gosto do anunciante. Vende opinião e voto, como se fosse sabão.

    A rede, carente, quer um amiguinho influente, jovem, rico, branco, que fala inglês… menino-peter-pan que, com 32 anos, está “aprendendo”.
    A rede espera. Pra quê pressa?

    Muito querido e bem tratado, o menino milionário tem toda a atenção e o respeito devido aos bem-sucedidos. Falou e filosofou como se fosse um príncipe.
    A rede, carente, precisa de um influencer. Falar sozinha, pra centenas ou um punhadinho de milhares, acha pouco.
    Ouviu e suspirou como se fosse lógico.

    O menino gosta do Ciro e do Amoedo.
    Diz que tá evoluindo. De Bolsonaro a Amoedo, é um passo em mil quilômetros, até cair na real.
    Pra rede, nada mal.
    A evolução do macaco até pisar na lua, pra rede, é um passinho.
    Quem sabe, com jeitinho, até 2032 o menino não seja candidato a presidente?
    A rede já prepara o Collor do amanhã. Pra quê pressa? Calma que a gente chega lá. Lá nos anos 80.

    A CIA já está colocando em operação seus influencers e o público esquerdista tropeçou no céu como se fosse um bêbado.
    Malu Aires!

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  12. Walter Tabacniks

    Quando vejo um carro de som chegando, alguém subindo nele, pegando o microfone e começando a falar, me sinto parado no tempo e no espaço. Desde que inventaram microfones e carros de som só muda o assunto (e olhe lá). O resto é tudo igual em qualquer tempo e em qualquer lugar.
    Não há espaço para a forma que embala o conteúdo político.
    A forma precisa ser mudada. Escutar já mais de 100 anos coisas como nossa bandeira jamais…. Ou o povo unido jamais…. Ou um dois três, quatro cinco mil…. Aí ai ai, me poupe.

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  13. antonio eustaquio

    Prezado Sr.
    “o fato de a atividade política ter sido tão criminalizada no país” não está diretamente ligada a maioria da mídia que está ávida por dinheiro e pouquíssimo interessada em fazer um debate que coloque em cena as divergências?
    Ao invés de ficar a investir em falsos heróis e somente na velha da caça aos corruptos, que dão audiência, como se somente isto resolveria a situação econômica, de saúde e educação não cabe a mídia levar info de qualidade num país tão despolitizado e com maioria de miseráveis e com baixa escolaridade?
    O homem é um ser político e deve ser visto pelas suas posições politicas. sejam elas alinhadas a partidos ou não.
    Penso que é saudável tb que artistas tenham acesso a tv não para falar de seu processo de criação, que os jornalistas tanto glamorizam, mas para expressarem suas posições políticas e assim deixarem recados e esclarecer seus fãs sobre ideologia, comportamentos e necessidades de luta social.

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