Há quem argumente que Lula e Bolsonaro têm um acordo, ainda que tácito, a fim de manter a atual polarização com a finalidade de que o segundo turno de 2022 aconteça entre o atual presidente e o candidato do PT qualquer que seja ele. Essa visão é profundamente elitista, pois ignora que este acordo só seria possível se incluísse 148 milhões de eleitores aptos a votar. Ou seja, não há acordo algum.
Supor um acordo entre Bolsonaro e Lula assume o pressuposto de que os seres humanos, mais especificamente dois políticos, têm um enorme poder de controle sobre a realidade. Trata-se de uma suposição inteiramente equivocada.
Bolsonaro é um dos favoritos para ir ao segundo turno simplesmente porque é o presidente da república. Ele está neste cargo em função de uma conjunção de acontecimentos fortuitos que se combinaram para formar o contexto eleitoral de 2018: uma imensa crise econômica atribuída pelo eleitorado à presidência petista de Dilma Rousseff, a magnitude política e midiática da Operação Lava-Jato, o fraco desempenho de Geraldo Alckmin quando governador de São Paulo, certamente insuficiente para lhe projetar de forma competitiva em todo o país, o escândalo do grampo telefônico que atingiu Aécio Neves, a prisão de Lula, dentre outros episódios. Sem tudo isso dificilmente Bolsonaro chegaria onde está hoje. Não há aqui nenhum acordo entre políticos, ao contrário, há um desacordo geral e um amplo conflito dentre todos os atores relevantes do sistema. Somente por isso foi que alguém de fora do sistema chegou lá.
O candidato do PT é um dos favoritos para ir ao segundo turno porque o PT teve um dos dois candidatos mais votados nas seguintes eleições presidenciais: 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018. David Hume, um dos maiores filósofos de língua inglesa, empírico e cético, afirmara com todo acerto e propriedade que “um homem sábio faz com que sua crença seja proporcional à evidência”. Ora, se o PT teve um dos dois candidatos mais votados em todas as oito eleições diretas depois da ditadura militar, então, sendo eu alguém minimamente sábio, hei de crer que isso continuará acontecendo. É preciso razões demasiadamente fortes para acreditar no oposto. Tais razões não existem, ainda mais quando acabam de serem publicadas pesquisas mostrando que o símbolo máximo do PT, Lula, é quem menos tem rejeição para a eleição de 2022.
Por fim, Bolsonaro e Lula não têm os meios para impedir que outros candidatos se coloquem de forma competitiva. Aí está Doria que governa o estado mais rico e populoso do Brasil. Aí estão também Huck com sua enorme audiência nacional e Sérgio Moro com o seu capital político de quem ocupou a mídia por quatro anos consecutivos. Eles que se virem, que tenham competência e mérito de deslocar um dos dois, ou ambos, da próxima eleição. Não há como impedi-los de, desde que sejam competentes e tomem mais decisões certas do que erradas, assumam o protagonismo da disputa. Há tempo para isso.
É triste que diante do óbvio as pessoas insistam em afirmar que há um acordo entre Lula e Bolsonaro para que ambos estejam no segundo turno da próxima disputa. Isso apenas revela a indigência da qualidade da análise política realizada por algumas figuras.
Quem fala da polarização na verdade reclama que seu candidato não consegue se apresentar com alternativa viável. Também desconhece que na democracia os primeiros adversários a serem derrotados são os mais próximos, isto é, do mesmo partido, mesma linha política, etc.
Bom texto!
Provavelmente, esses são os ocultos, os mesmo que criam fake news, os enganados ou que se deixaram enganar e agora órfãos politicamente tentando jogar na mesma cova rasa seu antigo desafeto partidário, como se política fosse uma relação pessoal. pessoal.
Prezado professor
Gosto de sua referência a D. Hume. Porém, minha crença é que no processo eleitoral de 2018, o único fato “novo”, foi a eleição desse senhor que aí está.
Toda a conjuntura, evidentemente, fora preparada, antecipadamente, para eleger, não mais um “político por vocação” mas um “administrador”, vocacionado para um “empreendimento privado”, bem ao sabor de parte de nossas elites tradicionais e das elites globais. A estratégia, principal foi, evidentemente, a “demonização da política”, stricto sensu, bem em moda nesta “Era Global”, que atingiu em cheio a esquerda brasileira no poder. Portanto, também, fica evidente, o discurso antidesportivo e nada democrático do candidato derrotado Aécio Neves, que mesmo antes da posse da candidata eleita, ameaçou paralisar o próximo governo (Dilma), e conseguiu seu intento, com o apoio de muitos. Seu discurso foi a senha, o “pontapé” inicial de uma prorrogação, irregular, de um “novo jogo político”, nada esportivo e nem democrático. O objetivo, declarado, era “apear” o PT e a “esquerda” que já se perpetuavam no poder, de forma democrática, é bom lembrar, por 12 anos e tinham sido reeleitos para mais 4.
Ficou, também, evidente que em 2018, a candidatura, imbatível, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, garantiria a continuidade do Partido dos Trabalhadores por mais algum tempo. Os atores daquele jogo irregular, bastante conhecidos por todos nós, não contavam com os paradoxos de nossa Segunda Modernidade.
Seus candidatos para as eleições de 2018, não tiveram sorte e ou não primaram pela competência eleitoral. Foram batidos.
O jogo prosseguiu, no tempo regulamentar, do segundo tempo, não obstante, a derrota parcial, essas elites mantiveram os objetivos iniciais de inviabilizar a volta da esquerda (agora demonizada) ao poder “supremo” e apostaram num drible oportunista de um “segundo reserva” , isto é do “posto ipiranga”…
Aprendemos a lição da História?
A sorte está lançada novamente, façamos nossas apostas…
Lula vencerá, nao pelas narrativas desfavoráveis ao atual ocupante da PR, nem pelo dificil cenário potencializado pela COVID-19, alias, a esquerda nao é mais aquela forte oposição como fora outrora (aparentemente ou estratégicamente); a derrota ocorrerá simplesmente pelo PR nao ter demonstrado capacidade/vontade de mudar o jogo, a propósito, permitiu que o sistema político se reintegrasse (isto nao é bom, nem ruim, mas frustrante para o eleitorado bolsonarista). Embora tenha enorme destreza no jogo, nao haverá tempo/máquina suficiente para a manutenção no poder, frente ao candidato Lula que deve embarcar ao lado de uma figura popular aos moldes de J. Biden. A propósito, ter garantido o cargo e a possibilidade de dar um suspiro as politicas de centro direita já foi uma enorme vitória, porém insuficiente. Ao jair resta a fortuna que lhe foi gentil nos últimos anos, a Lula o tempo.